quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Palestra Taro - Raissa Cavalcanti







O Tarô como Caminho Iniciático



O rico simbolismo contido no Tarô convida para a abertura do seu repertorio e a entrada nos seus diversos significados. O Tarô oferece a oportunidade de distintas leituras, ampliando assim, a compreensão dos seus símbolos. Como psicóloga de abordagem junguiana, a minha leitura do Tarô é feita a partir da perspectiva da Psicologia Analítica.
A primeira vista observo nas cartas do tarô um caminho iniciático descrito através de imagens simbólicas. Mas, o que é um caminho iniciático? O processo iniciático era um conjunto de práticas e de ritos de caráter secreto, com uma estrutura bastante complexa e marcada fortemente, pela compreensão simbólica. O conjunto dessas cerimônias era chamada de Mistérios, devido ao seu cunho secreto, e tinha como finalidade principal o desenvolvimento psíquico e espiritual.
Nessas tradições havia uma seleção rigorosa de candidatos considerados aptos ou não para participarem da iniciação. As pessoas que viviam mais de acordo com a imagem exterior e voltadas para as questões materiais eram consideradas não preparadas para a iniciação. Enquanto que aquelas cuja busca de desenvolvimento era interna eram as indicadas para a experiência iniciática.
A tradição iniciática sempre existiu na humanidade desde a antiguidade, tanto no Ocidente, no Egito, na Grécia e em Roma, quanto no Oriente constituída pelas diversas escolas de Yoga. Durante a antiguidade foi um meio disponível, uma oportunidade de evolução espiritual que seguia um método rigoroso, orientado por um mestre ou guru e à parte da religião oficial.
Do ponto de vista moderno, podemos observar no processo de iniciação, um padrão que possui muitas semelhanças com a forma como Jung concebeu o processo de desenvolvimento psicológico da personalidade. A finalidade do processo iniciático era possibilitar que o indivíduo saísse da periferia da sua personalidade, da identificação com o ego, para ir ao encontro, cada vez mais profundo consigo mesmo, com a sua alma, com o seu centro interno. O indivíduo era levado a caminhar em direção ao seu centro interno e estimulado a abandonar as auto-imagens aparentes e superficiais do ego, que Jung chamou de persona.
A persona é a imagem externa, a máscara que a pessoa procura construir para se apresentar aos outros. A persona tem o propósito de encobrir as partes menos elaboradas da personalidade e mostrar uma imagem mais positiva, a forma como o indivíduo deseja ser visto. A persona geralmente, se refere aparência positiva que o indivíduo deseja exibir de si mesmo e, também, está vinculada aos papeis sociais. Jung viu a persona não como negativa, mas, por constituir o aspecto mais superficial da personalidade, a identificação com a persona, podia impedir que a pessoa construísse uma noção de identidade mais real e profunda e descobrisse o seu verdadeiro potencial.
O Oriente usava a noção de ego no sentido do “eu menor” e não com a mesma conotação que se usa na psicologia no Ocidente. O conceito do ego foi desenvolvido pela psicologia ocidental. Freud desenvolveu o conceito de ego, como o centro principal da personalidade, e da consciência. A psicanálise vê o ego como um centro importante, como a individualidade da pessoa, e com uma conotação bastante positiva. Fala-se muito freqüentemente, em reforçar o ego, estruturar o ego, como uma coisa necessária para o fortalecimento da personalidade.
Na abordagem junguiana o ego é visto como o centro da personalidade consciente, como um aspecto da percepção consciente, embora limitada. Jung usava a imagem de um holofote numa sala escura, para exemplificar a limitação da consciência do ego. Quando a luz do holofote ilumina uma área, focaliza um determinado ponto, todas as outras áreas não alcançadas pelo foco de luz ficam no escuro.
A psicoterapia junguiana tem como finalidade a ampliação da percepção sobre si mesmo e sobre o mundo, muito acima dos limites da percepção egóica. E de acordo com esta finalidade, expande o conceito da individualidade para além do ego e da persona. Para Jung, a noção de individualidade não está restrita ao ego, reside num centro interno que ele chamou de Self pessoal. O indivíduo no seu processo de desenvolvimento deve encontrar a sua verdadeira individualidade, que reside no seu interior. Deve sair da periferia do ser para o alcance de um nível de consciência mais profundo.
A proposta terapêutica de Jung se amplia, portanto para além da cura das neuroses, faz do processo terapêutico uma verdadeira oportunidade de desenvolvimento profundo, psíquico e espiritual. O trabalho de iniciação realizado nas antigas tradições, hoje acontece nos consultórios de psicoterapia junguiana.
Jung nos convida a nos arriscarmos, a irmos adiante das imagens e das demandas externas, para que seja possível a descoberta e a expressão da verdadeira individualidade. Ao explorar os potencias internos, o indivíduo amplia a consciência de quem ele é, e do seu projeto pessoal evolutivo. À medida que o indivíduo conhece e atualiza as suas potencialidades individuais, ele realiza um propósito maior que é a expressão do Self no mundo.
Jung viu a realização criativa da personalidade ligada a um desígnio divino, a manifestação do Self, através expressão das varias individualidades. A concepção de desenvolvimento da personalidade, proposto por Jung se aproxima do padrão de desenvolvimento das tradições iniciáticas, onde através de etapas definidas, se abria a possibilidade de encontro com o ser divino que existe dentro de cada um. Essas tradições tinham algo de muito moderno, que é trazido á luz pelo olhar intuitivo de Jung e pela perspectiva da psicologia que ele construiu.
Jung não se dedicou ao estudo do Tarô, ele fez uma única referencia em um livro chamado “A Projeção da Personalidade”. Mas, a sua pesquisa sobre o Inconsciente Coletivo permitiu que ele oferecesse uma compreensão mais sólida e profunda sobre a natureza do simbolismo que se encontra presente nas diversas manifestações culturais humanas.
Segundo Jung o inconsciente Coletivo tem uma atividade criativa geradora de imagens simbólicas, os arquétipos, que representam os padrões profundos do funcionamento e do desenvolvimento psíquico que transcende o tempo e o espaço. As imagens do Tarô são a expressão de conteúdos arquetípicos e universais presentes no Inconsciente Coletivo. Constituem uma herança espiritual imagética, cujo teor surpreendente faz o homem refletir sobre os mistérios que existem além do seu cotidiano banal e aparentemente, sem significado.
Essas imagens, que antes da Psicologia junguiana, pareciam incompreensíveis adquirem significado, quando compreendidas simbolicamente, como um modelo de desenvolvimento arquetípico, presente nas antigas tradições iniciáticas. As imagens da Alquimia falam de um processo iniciático de crescimento interior, de um caminhar da periferia para o centro de si mesmo. A teoria do Inconsciente Coletivo possibilitou o entendimento simbólico das imagens do Tarô, como a representação do desenvolvimento psíquico chamado por Jung de Processo de Individuação.
A influência da psicologia junguiana sobre os estudiosos do Tarô foi impressionante, determinando pesquisas mais objetivas a respeito do Tarô e despertando um novo interesse intelectual sobre as cartas. Hoje em dia, os estudiosos do Tarô citam mais Jung do que Eliphas Lévi.
É interessante notar que o Tarô surge no século XV, no momento em que a humanidade estava tentando recuperar a sabedoria antiga. No Renascimento surge o interesse pela Filosofia da antiguidade, pela Alquimia, Cabala, Astrologia e pelos estudos herméticos. Acredito que, atualmente, estamos vivendo um tipo de renascimento da visão espiritual do mundo e do homem, cresce o interesse pela Astrologia, Cabala, Alquimia e pelo Tarô como instrumentos de ampliação da compreensão do homem.
Esta tendência traduz o desejo da humanidade de contrabalançar o excesso da consciência materialista-cartesiana a qual nos impomos. O interesse que o Tarô e outras técnicas divinatórias, despertam atualmente, representa o impulso do ser humano de fazer a integração das duas polaridades, da visão objetiva do mundo, com a visão intuitiva.
Através das imagens do Tarô é possível acompanhar o desenvolvimento do processo pessoal de iniciação-individuação, vendo nas vicissitudes da vida, oportunidades de ampliação da consciência, de aprendizado e de auto-transformação. Vejo nas imagens do Tarô um protótipo imagético que sugere o Processo de Individuação.
As cartas do Tarô com suas imagens arquetípicas falam do Processo de Individuação e incitam o consulente a ampliar a sua visão sobre a sua vida, assim como sobre o seu projeto pessoal. Essas imagens codificadas constituem um mapa ou roteiro capaz de religar o homem ao sentido maior e espiritual do universo. Elas ajudam o homem contemporâneo a se relembrar do repertório arquetípico que possui internamente, como um padrão espiritual e de máxima importância para a manutenção da saúde psíquica.
A imagem do louco, por exemplo, é uma das cartas mais interessantes e intrigantes do Tarô.



O louco é representado pelo número zero, cujo significado assinala aquilo que existe potencialmente, anterior ao início de tudo. O zero como símbolo de todas as potencialidades da alma se assemelha ao círculo. O círculo simboliza o estado da totalidade primordial da alma, que precede a entrada no mundo dos fenômenos, no reino da forma. Essa carta indica a ligação da alma com a totalidade, representa o inicio e o final de um processo, ela é o alfa e o Omega. O louco aponta o caminho inicial do processo humano de expressão da alma. Esta carta fala diretamente do inicio do processo de Individuação, do percurso da alma no mundo dos fenômenos materiais. É neste plano, no qual a alma faz a sua descida e inicia o seu processo de humanização, de expressão criativa no mundo.
No Tarô de Marselha, a imagem do Louco é representada como um andarilho que leva uma pequena trouxa. Ele está acompanhado de um cão que o mordisca como que para chamar-lhe a atenção de alguma coisa. Esta imagem representa a passagem da alma pelo mundo terreno, em direção a sua jornada individual, sem desviar a atenção do caminho a ser percorrido, sem se apegar a nada. O louco simboliza a alma despida de qualquer condicionamento em busca do seu próprio caminho de realização. Expressa a liberdade de ser, completamente livre dos apegos, das dependências e dos condicionamentos sociais. A alma no seu percurso humano necessita se despir de todos os condicionamentos, de todos os apegos à dogmas e preconceitos que limitem a sua percepção sobre si mesma, que criem obstáculos para a sua livre expressão criativa para que possa buscar a verdadeira individualidade.
Esta carta indica a determinação da alma na busca da auto-expressão, que não perde a direção, o foco, e que não se deixa dispersar pelo apelo dos instintos de sobrevivência material. O Louco leva apenas uma trouxa tem apenas o suficiente material, para as suas necessidades durante o seu percurso. A trouxa também, representa o “back ground” necessário, as experiências anteriores adquiridas que o andarilho deve carregar como parte de aprendizado no mundo temporal. Na outra mão o Louco segura um cajado, símbolo da autoridade do saber intuitivo que guia o homem e o relembra da sua origem espiritual. Significa a confiança do homem na sabedoria interior e a determinação em seguir o próprio caminho. A fé na inspiração espiritual se converte num apoio contra a banalização da vida, contra a ausência de sentido e de significado.
A segunda carta mostra um mago diante de uma mesa com instrumentos e objetos. A imagem do mago se assemelha a imagem do alquimista em sua mesa de trabalho. Esta carta diz que através da experimentação na matéria, do trabalho a alma busca se encontra e se vê. O potencial criativo é revelado através da relação com a matéria. O mundo material torna-se um meio de expressão do criativo. Através da sua ação no mundo, a alma se experimenta e se reconhece. O mago representa a alma diante do seu plano de trabalho, diante da sua tarefa evolutiva. Na alquimia se dizia que uma das tarefas do alquimista era conseguir o domínio sobre a matéria. Isto significa que deve colocar a matéria a seu serviço e não se submeter à matéria.
Essas duas primeiras imagens representam a alma colocada perante as questões do seu desenvolvimento evolutivo no mundo. As outras cartas falam dos aspectos que a alma deve desenvolver e assumir na personalidade.
A carta da Imperatriz se assemelha à Sacerdotisa, mas enquanto esta tem um aspecto mais reflexivo ligado à receptividade do conhecimento, esta parece refletir o poder ativo do feminino no plano físico. A imperatriz tanto está associada ao lado fertilizador e nutridor da vida quanto a função de direção do aspecto prático da vida. A dignidade de rainha da Imperatriz mostra que ela rege o plano material com sabedoria, afeto e dignidade e por isso é capaz de atrair fertilidade, riqueza e criatividade para o outro e para si.
A carta da Torre representa um momento de confusão pela queda de conceitos estabelecidos ou de preconceito que é preciso eliminar para se obter outra visão. Muitas vezes, o fechamento em uma interpretação impede a compreensão mais ampla e o desenvolvimento fica bloqueado. É necessário se abrir para uma outra interpretação, para um outro tipo de compreensão para que se possa dar um passo adiante.
A carta do enforcado, também representa um determinado momento da vida em que as coisas parece estarem de cabeça para baixo. Ficar de cabeça para baixo, ao mesmo tempo significa suportar o abandono da estabilidade, abrir mão da segurança do conhecido, se permitir olhar as questões sob um outro ângulo, totalmente não convencional, inverter as questões, possibilitar uma nova compreensão da vida.
A carta da Papisa significa que em um determinado momento da vida é necessário assumir o poder conquistado, o poder do conhecimento, o poder da compreensão, o poder criativo no mundo. Cada carta, assim por diante, fala de um determinado aspecto que se sobressai naquele momento e que precisa ficar consciente.






É, portanto, segundo a perspectiva de um processo iniciático, de individuação que entendo as imagens do Tarô, onde cada carta representa um momento desse processo.



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