Divas.
Jogo de armar, jogo de amar.
Jacob Klintowitz
Alguns artistas são movidos pelo desejo de guardar para sempre um raio de luz. Neto Sansone constrói, de maneira permanente, a memória de sua emoção e utiliza para isto a sombra da mulher amada com a qual nunca esteve, mas que sempre esteve nele como modelo no plano das idéias perfeitas. O que o move senão a vontade de ter nas mãos um pouco do sol e, diante dos olhos, o desenho que adivinhou no espelho embaçado da água?
O que impressiona, antes de tudo, em Neto Sansone é ele organizar duas memórias ficcionais, uma feita de luminosidade no escuro, outra feita de ícones de uma geografia psíquica. Sempre a presença do feminino, corporificado em imagens conhecidas e distantes, polaridades reiteradas. Primeiro, a mulher na projeção cinematográfica, heroína sutilizada, protótipo de emoções e aventuras, idealizada, imaterial e remetida à nossa imaginação.
E, se a primeira das figuras femininas é feita de sonho e imaterialidade, a segunda figura, retirada da história da arte e da ação de artistas seminais, é feita de pura materialidade, pois a pintura é concretitude. Na pintura, antes do feminino, temos a própria pintura, com as suas exigências formais, a sua filiação sensível, o significativo percurso do pintor, a resposta à determinadas questões de época.
É provável que para Neto Sansone, a junção destas duas formas de significação, antípodas em princípio, se torne uma única forma, feita de sonho e peso, vôo sideral e gravidade. É esta junção, do retrato luminoso ao peso autoral, que organiza o diálogo do artista Neto Sansone com a sua história pessoal, a de homem contemporâneo e visitante da história da arte.
Neto Sansone despe os seus personagens das cores originais, a carnalidade cinematográfica e o cromatismo pictórico. E os pinta em cinzas, pretos e brancos, tornando-os seus e habitantes de seu sonho. E os coloca lado a lado, em relações que podemos adivinhar, por vezes, ou conservam o seu enigma.
Uma mulher feita de projeção, outra mulher fixada em óleo sobre tela. Primeiro, as mulheres dos filmes, pura luz e movimento. Depois, as mulheres nas simbólicas e estáticas pinturas. Tanto num caso, quanto no outro, Sansone retira a cor, o histórico do trabalho referente, e o transforma no seu universo de sombras, luzes e ficção. Ele sugere que se trata de construção, jogo de armar, jogo de amar.
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